História do Velho Continente
- Ignatyus Arkadel
- Nov 5, 2016
- 30 min read

Porque esquecemos?
Cada vez que começo a contar esta história, nossa história, essa pergunta sempre vem em minha mente. E ainda hoje, as portas de um novo milênio, sigo sendo incapaz de lhe dar a resposta.
Nós perdemos tudo. Em um instante, o que era nosso nos foi arrebatado, sumindo nas trevas de nosso próprio conhecimento. Como lágrimas que se perdem na imensidão da história, avançamos por um caminho incerto, ignorantes de nossa condição, enquanto o mundo que havíamos criado tombava.
Foi essa nossa condenação?
Ou nossa salvação?
A Era do Caos
Sob a perspectiva do homem, tudo o que envolve a história anterior a vinda de Cristo é algo confuso e impreciso. Principalmente a Igreja e Tol Rauko se ocuparam disso, pois ocultaram ou destruíram a informação que não desejavam que fosse conhecida. Apesar de tudo, seja por tradição oral ou pelo minucioso e secreto trabalho de alguns historiadores, ainda se conservam alguns fragmentos de eras passadas.
O início do longo período conhecido como a Era do Caos tem suas origens incertas. Se bem é verdade que a maioria de fontes determinam seu começo como consequência de um apocalíptico conflito, geralmente referido como a Guerra da Escuridão, existem poucas testemunhas de algo que se remonta a mais de dez mil anos antes da chegada do Messias. Só podemos asseverar que este ciclo foi extremamente longo, e viu o nascimento e queda de grandes impérios. Assim, muitas das culturas que existem hoje em dia em Gaïa, germinaram durante estes séculos.
Fazendo honra a seu nome, foi uma idade caótica, cheia tanto de maravilhas inexplicáveis quanto de horrores. Durante esse tempo o homem caminhava junto a seres que, na atualidade, não são considerados mais que contos de fadas. Cada povo forjou suas próprias lendas do final desta era, como os mitos de Holst nos ermos do norte, as revelações de El Eyad nas ardentes areias dos desertos ou o desaparecimento do Imperador Eterno na lenda Varja.
Mesmo assim, essas são histórias para outra ocasião.
A Chegada
Foi então, nesta época de confusão e caos, quando apareceu alguém que mudou tudo. Da escuridão de nossa própria história surgiu um jovem que nos mostraria um novo destino que jamais teríamos sonhado; um simples garoto que, com o tempo, faria com que oscilassem os pilares do mundo. Era de origem humilde, mas inclusive os maiores reis e imperadores chegariam a se ajoelhar a ele. Hoje o chamam por muitos nomes, como O Iluminado, Rei de Reis ou Filho de Deus, mas o primeiro pelo qual se conheceu foi Abel.
Ainda que existam incontáveis controvérsias eclesiásticas sobre sua infância, que permanece desaparecida em mistério, a primeira constância que tiveram dele em Gaïa foi em uma pequena aldeia da região atualmente conhecida como O Domínio. Por qual então, todo o território se encontrava envolto em contínuos conflitos armados, sendo habitual que diversos senhores disputassem o controle de povos e cidades. Nesse dia, a aldeia de Netzach se encontrava sob o ataque de uma pequena companhia militar, que não tinha mais intenção que saquear o povo e submete-lo. Abel apareceu em pleno assalto, caminhando lentamente até o orgulhoso capitão dos soldados. Ninguém levantou suas armas contra ele; foram incapazes de faze-lo. Uma vez diante o guerreiro, o pequeno, que apenas tinha dez anos, sorriu tranquilamente.
— Hoje se inicia uma nova era. — Seriam as primeiras palavras que escutariam e com das quais mudariam a história. Em seguida falou com a inocência de uma criança e sabedoria de um ancião, e nenhum dos presentes pôde deixar de lhe atender. O capitão caiu envergonhado e ao descobrir que a criança não era mais que um vagabundo errante, decidiu segui-lo aonde quer que fosse, inclusive as próprias profundezas do inferno. Aquele homem seria o primeiro de seus discípulos, e chegado o momento, também o primeiro de seus doze apóstolos: Pietro Giovanni.
Abel viajou de um lado a outro, levando consigo sua palavra em todos os lugares. Por onde ia, as pessoas abandonavam seus conflitos em prol de metas comuns, seguindo os ensinamentos de um Deus desconhecido até então, um Deus de todas as coisas que nos dava o poder sobre a vida e a morte.
Em sua filosofia não cabiam a magia nem o sobrenatural, considerados os culpados de todos os males que a humanidade havia sofrido até então. Se o homem buscava a salvação, devia regressar às suas origens, antes de que forças alheias invadissem suas vidas. Deste modo, feiticeiros, espíritos e outras criaturas sobrenaturais se tornaram alarmantemente como um credo rechaçado. Por esse motivo, quando acabava de cumprir dezesseis anos, alguns de seus detratores decidiram terminar com a moléstia que Abel lhes causava, aproveitando que tinha a predicar ante um grande número de pessoas na cidade de Ilion.
O ataque foi orquestrado pela Ordem de Yehudah, uma potência convencida de que aqueles agraciados com o Dom eram os legítimos governantes do mundo. Seu objetivo não só era a morte de Abel; pretendiam causar uma grande comoção que mostrasse a todos aonde residia o verdadeiro poder. Mas, os senhores bruxos nunca haviam imaginado o que ia acontecer. Naquela noite, Abel nos ensinava que Deus não trazia só amor e misericórdia, mas também a punição divina e a vingança. Quando os arquimagos se manifestaram ante o gentil e começaram sua brutal demonstração de força, o jovem recolheu do solo uma espada pertencente a um soldado caído e avançou até os bruxos com lágrimas nos olhos.
Pobres. De certa maneira sentiu lástima deles.
Jamais entenderiam o que enfrentaram.
As Guerras da Cruz
Após aquilo, a atitude passiva de Abel mudou. Reuniu seus seguidores mais próximos, os deu o título de Apóstolos, e lhes explicou que havia chegado o momento de mudar a ordem do mundo para sempre. Deste modo iniciou uma cruzada em prol da unificação, reunindo a todos sob uma só bandeira, um único sonho e um mesmo céu.
Assim se iniciaram as Guerras da Cruz.
Reinos e nações inteiras se renderam a seus pés, senhores da guerra e imperadores entregaram suas armas e coroas de bom grado, todos fascinados pela deslumbrante imagem de Abel. E aqueles que não fizeram, foram submetidos pela força de um exército que avançava movido pelo vigor da fé. As vezes, os monarcas que não estavam dispostos a seguir seus preceitos, se encontravam com grandes rebeliões entre seus próprios súditos, que se erguiam contra eles seguindo os ensinamentos do salvador. Ao longo dos anos, Abel seguiu adiante com seu sonho, unindo todas as nações da humanidade. Apenas o Império de Sólomon, antes a maior potência do homem, se negou a se curvar e resistiu o avanço do escolhido dos céus, que o ignorou em favor de outros territórios.
Chegado o momento, a unificação religiosa foi vista com desprezo pelas deidades que hoje se conhecem como os Falsos Ídolos, e parte delas decidiram tomar um papel ativo no assunto. As portas do Pico do Mundo, Abel enfrentou pessoalmente Fenrisulf, um deus vivente que havia manifestado no mundo em plenitude de poder. A tradição e a Igreja chamam hoje aquela entidade de "A Grande Besta", e com o tempo esse nome se deu a tudo o que era inapropriado. Contra todo o prognóstico, Abel destruiu a divindade, derramando com suas próprias mãos o sangue de um deus. Naquele instante, Saulo, sumo sacerdote dos Falsos Ídolos, passou seus dedos no sangue de Fenrisulf e marcou o rosto de Abel com uma cruz. Assim lhe daria o nome de Cristo, que significa O Ungido.
Após aquele ato de poder, o mundo percebeu de que o homem falava novamente em uma época de apogeu e, pela primeira vez em muito tempo, a humanidade voltou a atrair toda a atenção das demais raças. Embaixadores de várias culturas trataram de estabelecer contato com Cristo, mas como única resposta, fechamos nossas fronteiras nos isolando de todo aquele que não era como nós. O império de Sylvanus aceitou relutantemente, já que não desejava estabelecer um conflito aberto, e as tribos Jayân que se encontravam nos territórios humanos foram expulsos à força. O restante das raças, etnias e culturas sofreram o mesmo, se esquecendo do homem e de seus assuntos. Apenas o povo das sombras supôs uma verdadeira ameaça. Apesar de terem meramente uma fração do poder de que tinham anteriormente, os Duk' zarist eram uma potência da qual dificilmente poderíamos enfrentar. Em seu orgulho, jamais permitiriam que fossem proibidos em qualquer lugar.
Mas, uma vez mais, Cristo fez algo que ninguém pôde imaginar. Entrou sozinho em Khronos, a capital flutuante dos Duk'zarist, aonde nenhum humano havia posto os pés sem receber convite. Diante o assombroso general, caminhou até as portas do palácio e exigiu ver a imperatriz Phometeum Noah. Este atrevimento despertou a curiosidade da senhora de Khronos, que aceitou receber o Messias. Alguns dizem que, quando se encontrou com Cristo, a imperatriz obscura viu atrás dele a sombra de Deus e teve medo. Eu penso que na realidade, se sentiu tão deslumbrada por seu magnetismo quanto os que já o tinham conhecido desde então, e decidiu dar a humanidade uma oportunidade de demonstrar quais eram seus limites.
Por uma causa ou outra, decidiu não intervir nos assuntos do homem e Cristo regressou junto a seus discípulos, disposto a terminar o Reino dos Céus. Ele agora contava com vinte e oito anos.

O Reino dos Céus
Após assegurar suas fronteiras ao norte, sul e leste, a atenção de Cristo e seus Apóstolos se focou na decadente Sólomon. Seu governante neste momento, o imperador Rômulo, conhecido por seu despótico comportamento e crueldade, havia demonstrado abertamente seu desprezo pelas doutrinas do Messias, apoiado em uma grande parte da plebe, decadente e escravo de velhos sonhos de grandeza. Por tudo isso, prometia ser uma campanha difícil, ainda que ninguém duvidava do resultado final.
Com menores problemas do que os esperados e em pouco tempo, os exércitos do Messias chegaram até o interior da capital de Sólomon, acampando em poucos quilômetros de suas muralhas até o amanhecer. Esta noite, Cristo congregou com seus Apóstolos e ceiou com eles. Alguns dizem que ele pareceu estranho, e outros dizem que anunciou implícitamente o que ia acontecer, ainda que naquele momento não lhe tinham compreendido. Ao acabar, se reuniu em privado com Pietro e então com Iscariote, outro de seus mais próximos seguidores. Se ignora por completo qual foi o conteúdo de tais conversações, mas ao parecer, Iscariote lhe disse que desejava mostrar-lhe algo.
Em silêncio, lhe conduziu até a Colina dos Lamentos, aonde uma guarnição de Sólomon lhe esperava para lhe capturar. O que ocorreu neste lugar é motivo de muitas especulações, ainda que a crença mais estendida, é que ele se deixou prender sem opor resistência. Dizem que naquele momento derramou Cristo uma última lágrima por nosso destino e que Iscariote o beijou no rosto para secar.
Como pagamento, Rômulo entregou ao traidor trinta peças de metal tão negras quanto o coração dos homens. Cuide-se aquele que possuir alguma, pois sobre elas recaem nossos pecados.
Na manhã seguinte, Cristo apareceu crucificado nas muralhas de Sólomon, aonde repousou por durante treze longas horas. Quando finalmente expirou, não se abriram céus nem estremeceu a terra. Não choveu sangue, nem houve um minuto de silêncio no firmamento.
Mas Cristo estava morto.
Os Onze Reinos Santos
Ao contrário do que Rômulo e os dirigentes de Sólomon pensavam, a morte do Messias não acabou com seu sonho. Após a traição de Iscariote, os onze Apóstolos restantes tomaram o mandato do exército e em poucas horas derrubaram as muralhas da cidade, eliminando toda resistência. Não houve perdão algum com aqueles que haviam torturado e executado seu senhor. Ali, sobre as ruinas da capital, os onze ergueram a tumba do Messias e se reuniram no que seria recordado como o primeiro Santo Concílio. As Guerras da Cruz haviam terminado, mas agora, sem a imagem de Cristo para lhes guiar, um futuro incerto se cernia frente a eles. Ainda assim, o sonho pelo qual haviam vivido e lutado durante uma década pesava fortemente em seus corações, pelo qual se esforçaram em carregar.
Os onze se envolveram em uma longa discussão que durou vários dias; finalmente, acabaram rendidos e tiveram que descansar. Naquela noite sonharam com o Messias, que lhes explicou que a partir deste momento o destino de sua obra recairia em suas mãos. Ao despertar, decidiram dividir os territórios do homem em onze partes e tomar eles mesmos o papel de dirigentes. Assim seriam capazes de seguir adiante com seu objetivo e manter a estabilidade que tanto lhes havia custado conseguir. Seria o começo de uma nova época conhecida como a era dos Reinos Santos. O mundo começava a mudar e todo homem, mulher ou criança podia se dar conta disso.
Três anos depois, sobre as ruínas de Sólomon começou a se edificar a cidade vaticana de Arkângel com o fim de ser a capital da humanidade, enquanto os Apóstolos declaravam em seus respectivos territórios o nascimento dos onze reinos. Começou assim um longo período de esplendor, ainda que certamente não livre de problemas. Aplicando os princípios doutrinais do cristianismo, se proibiu o uso do sobrenatural e fecharam as fronteiras com as outras raças de Gaïa, com das quais o homem deixou de ter a mínima relação. Envoltos em seus próprios assuntos, os outros povos não deram a este ato a importância que na realidade tinha. Por outro lado, o Apóstolo Thanos Shetep não pôde levar de bom grado seu objetivo, já que sua obsessão por se vingar de Iscariote lhe fez deixar seu reino para trás. Kushistan se converteu desta maneira em um sério problema para a unidade territorial do homem, e sempre existiria uma grande tensão entre o povo Enneath e os Reinos Santos do sul.
Ao longo do tempo, anos depois da morte dos Apóstolos originais, os Reinos Santos começaram a se distanciar uns dos outros, chegando inclusive a surgir fricções entre eles. Acabaram agrupados em quatro grandes blocos, que haviam esquecido completamente do objetivo com dos quais foram criados. Em uma triste ironia, os grandes sonhos e ideais do passado não puderam deter a natureza do espírito humano.
E foi então, as portas do desentendimento, quando o mundo afrontaria sua hora mais obscura. Muito pronto, tudo o que conhecíamos acabaria sumindo na mais terrível das loucuras.
Pois entre as sombras de nossa própria história, se havia formado um duodécimo reino do homem.
A Guerra de Deus
Rah Sith, o último descendente do Apóstolo Iscariote, havia criado em segredo uma potência desconhecida para todas as forças do planeta, o Império de Judas. Como começou a faze-lo sem que ninguém percebesse disso é uma incógnita, mas seu poder era absoluto. Possuía parte da tecnologia perdida de Sólomon, que lhe deu uma completa superioridade sobre o resto das nações. Autoproclamado Senhor dos Rechaçados, junto a ele se ergueram todos aqueles que não tinham espaço no mundo, tal como era concebido nestes momentos. Bruxos, invocadores e milhares de seres sobrenaturais se uniram a ele, todos sob o ideal de mudar Gaïa para sempre. Mesmo assim, essas não foram as únicas forças que teve a sua disposição. Graças a seus conhecimentos de eras passadas, criou por meio da manipulação genética sobrenatural milhares de criaturas, novas raças engenhadas com a única finalidade de serem suas armas, das quais lhes somariam horrores primogênitos e grandes bestas. Se apoderava de um exército como do qual não se havia visto nem sequer na Guerra da Escuridão...
Assim mesmo, sua jogada mestra foi a de atrair até a fortaleza de Tol Rauko a jovem imperatriz Duk'zarist Ark Noah, filha da falecida Phometeum, sob o falso anúncio de que com sua tecnologia havia encontrado uma cura para a fraqueza racial de seu povo em relação ao metal. Uma vez ali, a feito prisioneira para obrigar aos Duk'zarist a apoia-lo no conflito.
Em treze de setembro do ano de 223, Rah resolveu conhecer o mundo, ninguém estava preparado para sua chegada.
O primeiro enclave a cair foi na cidade de Acheon, a maior metrópole de sua era. Apesar de seus grandes avanços técnicos e poderes defensivos, em menos de um dia a cidade caiu reduzida a pouco mais que cinzas. Horas depois as forças de Judas se implantaram por todas as costas do Mar Interior, criando uma sinfonia de destruição. Os Reinos Santos, travados em disputas menores, foram incapazes de responder apropriadamente ao ataque e começaram a ser devastados um após o outro. Em três ocasiões tratou de reunir exércitos que lhes fizeram frente, mas foi tudo inútil. Pronto, as tropas de Rah diversificaram seus objetivos, atacando também as potências não humanas e aos impérios antigos com mortal eficácia. Se dando conta da ameaça que sofreria o destino de toda Gaïa, as nações Sylvain lideradas pelo imperador Taumiel UI Del Sylvanus, decidiram intervir no conflito. A princípio, ofereceram sua ajuda aos restantes reinos santos, tratando de firmar uma aliança temporária com estes, mas receberam profundo rechaço como resposta.
Apesar de tudo, vendo o apogeu dos Duk'zarist, compreenderam que eles mesmos não demorariam a serem alvos da ofensiva e, incapazes de deter o avanço de Rah sozinhos, buscaram o apoio dos reinos que na antiguidade haviam combatido conjuntamente na Guerra da Escuridão. O levantamento dos Sylvain produziu uma momentânea mudança na situação e, pela primeira vez, as forças de Rah começaram a experimentar derrotas. Apesar de tudo, quando as cidadelas Duk'zarist iniciaram seus ataques, foi patente para todos que o poder das nações élficas seria incapaz de deter o avanço de Rah. Apenas seis meses depois do início da Guerra de Deus, Judas havia demonstrado claramente qual seria o destino de Gaïa.
Mas, contra todo o prognóstico, surgiu alguém que nos devolveu a esperança. Zhorne Giovanni, o jovem herdeiro da estirpe do Apóstolo Pietro, se levantou contra Rah nos territórios conquistados. O que iniciou sendo uma simples revolta acabou se convertendo, em poucos meses, na maior ameaça para a hegemonia de Judas. Dotado de uma aptidão natural para o combate, uma mente brilhante e talento nato como líder, conseguiu reunir as forças restantes dos Reinos Santos, coordenando uma série de rápidos e efetivos ataques. Ainda assim, a absoluta superioridade das forças de Rah seguia sendo palpável, pelo qual Zhorne se pôs em contato com as nações élficas e aceitou a proposta oferecida por Taumiel. Apesar da grande distância que lhes separava, conseguiram equilibrar a guerra ao combinarem seus esforços. Judas começou a perder terreno e muitos de seus exércitos foram exterminados.
Quando a cidadela flutuante Duk'zarist de Ordos Xenos foi destruída, caindo sobre parte das forças de Rah, toda Gaïa se deu conta de que o resultado do conflito não estava tão decidido quanto acreditavam.

A Chegada de Rah e a Cofradia
No auge da guerra, que marcaria seu primeiro ponto de inflexão, foi a Batalha das Cinzas, quando Rah, ao se dar conta de que seus exércitos estavam retrocedendo, deixou a ilha de Tol Rauko para encabeça-los pessoalmente junto A Cofradia, seus agentes mais poderosos. Diante forças combinadas de mais de cinco milhões de homens, Sylvain e outras raças capitaneadas por Taumiel, o Senhor de Judas e seus oito acompanhantes surgiram no meio do campo de batalha. As palavras que pronunciou quando falou pela primeira vez ficariam escritas na história.
— Vocês tem culpa. Produziram vossa própria queda. Não enxergam? Como ovelhas seguem fielmente os desígnios de um destino que não os pertence. Cegos e encadeados, inclusive se esqueceram do que significa serem humanos. Preparem-se. O mundo irá mudar, mesmo que para isso devamos derramar nosso sangue. Chegou a hora da morte do Deus que, em nossa arrogância, criamos a nossa imagem e semelhança. Com nossas mãos rasgaremos esses céus. — Rah Sith
Em seguida ordenou suas tropas que se retirassem, enquanto ele e A Cofradia avançavam sozinhos até os exércitos de Taumiel e os Reinos Santos. Só nos primeiros minutos, os nove já haviam exterminado uma terceira parte das forças aliadas... Quando mais de uma terceira parte de seus exércitos haviam sido destruídas, e vendo que seus adversários eram como deuses viventes frente aos que não tinham oportunidade alguma, o senhor das nações élficas ordenou a retirada. Aquilo foi um golpe mais duro do que ninguém podia suspeitar, pois muitos começaram a considerar a Rah como uma entidade maior que o homem. Após aquela batalha, os membros da Cofradia se dividiram e encabeçaram diferentes forças de Judas, atacando em uníssono todos os confins do mundo.
Apenas Zhorne e seus exércitos seguiram obtendo vitórias, fazendo evidente para todos que era a única pessoa capaz de deter Rah. Percebendo a ameaça que o jovem representava para ele e seus objetivos, o Senhor de Judas ordenou aos oito membros da Cofradia para que o encontrassem e destruissem a qualquer preço.
Após vários confrontos que estiveram a ponto de lhe custar a vida, durante uma reunião secreta com Taumiel e outros líderes da aliança, finalmente Zhorne acabaria sendo interceptado por Karla Edil Sith, a filha adotiva de Rah e membro da Cofradia. Ambos travaram um terrível combate pessoal, durante o qual a jovem desatou várias potências contra ele. No ápice do confronto, Karla invocou o Aeon negro Tawil At-U'mr, O Senhor dos Portões, tratando de arrastar seu antagonista até o vazio infinito. Mas neste instante Keith Khaiel Sith, o líder da Cofradia, quem havia estado observando a luta em segredo, aproveitou a situação para tratar de acabar com ambos ao mesmo tempo, desencadeando um holocausto de pura destruição que não deixou sequer rastro deles.
Durante os meses seguintes, as forças de Judas, encabeçadas por Keith e o restante da Cofradia, prosseguiram seus avanços com eficácia mortal. Assim desfizeram por completo todos os sucessos que Zhorne Giovanni havia conquistado durante o último ano. Com a maioria do Velho Continente em seu poder, se extenderam as terras mais além dos oceanos, alcançando primeiro Varja e posteriormente Khalis e Lunaris, aonde prosseguiram seus ataques. A debilitada aliança que havia se levantado contra Rah começou a cambalear e o imperador Taumiel se viu incapaz de fazer outra coisa senão resistir como poderia. Pouco a pouco, a esperança começou a ser sepultada pelo terrível peso da crua realidade.
Novamente, o destino de Gaïa parecia estar sentenciado.
Mas ainda restava muito sangue para ser derramado...
Términus e Fim do Mundo
Após passar meses desaparecido e quando todos acreditaram que já estava morto, Zhorne regressou subitamente para se pôr a frente de seu exército que tombava. Com forças renovadas, voltou a equilibrar a guerra, reconquistando a zona central do Velho Continente, e inclusive derrotando vários membros da Cofradia. Com sangue, suor e lágrimas, chegou até as planícies de Términus, aonde reuniu todas as forças restantes da aliança. Taumiel e os líderes do resto dos reinos e nações de Gaïa se congregaram ao seu chamado, assim como os dragões e outras bestas ancestrais. Frente a eles, o grosso de todas as forças de Judas, o exército mais poderoso que já havia existido na história. A maior batalha que o mundo jamais presenciaria estava a ponto de começar, uma batalha da qual todos estavam certos que a vitória era de Rah.
Mas ocorreu algo que escapou aos desígnios do Senhor de Judas. Enquanto se preparava para o último confronto, um Duk’zarist chamado Larvae conseguiu penetrar através das proteções de Tol Rauko e chegar até aonde Ark Noah estava mantida prisioneira. Como chegou a fazer parte das lendas, tanto como o aterrador descobrimento que descobriu nas profundezas da fortaleza. Ali existia uma imensa maquinaria criada com a tecnologia das Lojas Perdidas de Sólomon, um imenso artefato que se alimentava das almas de todas as vítimas da guerra, canalizando seu poder com uma finalidade desconhecida. A centenas de quilômetros, Rah descobriu que alguém havia penetrado nas câmaras seladas de Tol Rauko e regressou até a fortaleza, horas antes de que se iniciasse a batalha de Términus. Deste modo, Rah e Zhorne jamais chegariam a se enfrentar face a face, e o irônico destino seguiu seu curso como nem sequer os céus puderam prever.
Quando o mais de vinte milhões de contendentes se lançaram uns contra os outros, os campos se inundaram de sangue. A proporção da batalha foi tal que se alongaria por durante vários dias, apesar de finalizarem a primeira jornada, a superioridade das forças de Judas era patente. Mesmo sem esperança, os exércitos de Zhorne seguiram adiante. Fazia muito tempo que não lutavam por ideais, crenças ou vingança.
O que mais lhes restava?
Assim mesmo, antes de acabar o segundo dia, quando o final do conflito parecia iminente, a notícia da liberação de Noah chegou até as forças dos Duk’zarist dando uma reviravolta nos acontecimentos. Ao descobrirem o motivo pelo qual haviam sido obrigados a participarem da guerra, algo que se manteve em segredo para os obscuros, se retiraram das posições que haviam tomado até então, arrasando as forças de Judas que se encontravam em seu caminho. Isso proporcionou a ansiosa oportunidade que Zhorne e seus aliados necessitavam, e o jovem general não a deixou escapar. Fazendo uso de tudo o que lhe restava, se lançou contra as forças quebradas e divididas de Judas.
Ao finalizar o terceiro dia, os exércitos de Rah se viram obrigados a se retirar a espera de uma oportunidade para poder se reagrupar, uma oportunidade que nunca estaria ao seu alcance. Sem perder nem sequer um instante, Zhorne avançou através das terras negras e arrasadas pela guerra até a Costa da Aliança, aonde partiu com suas tropas restantes até o coração do Mar Interior para acabar de uma vez por todas com a raiz da Guerra de Deus.
E assim em Tol Rauko, Rah compreendeu que tudo havia chegado ao fim. O mesmo mundo poderia chegar até a fortaleza, Rah desceu até as entranhas da terra, aonde pôs em funcionamento a máquina que havia construído. No momento de sua ativação, uma aura de poder sem igual assolou Gaïa, criando uma terrível distorção que arrasou tanto o plano físico quanto o espiritual. Ainda hoje desconhecemos suas verdadeiras consequências e sua finalidade, mas desde este momento nada mais seria o mesmo.
Na realidade, naquele dia o mundo acabou.
Só não nos demos conta.
O Obscuro dia Seguinte
Rah, unido fisicamente a máquina durante sua ativação, foi banido da existência, o que marcou o final do conflito que durante três anos afundou Gaïa no desespero. Com centenas de milhões de mortos e várias civilizações extintas, ninguém poderia se atrever a chamar de vitória. Dois continentes inteiros desapareceram, apagados pelo poder que o Senhor de Judas havia desencadeado em sua loucura; mais da metade do mundo que conhecíamos havia deixado de existir... E essas não foram as únicas consequências que a criação de Rah trouxe consigo. A máquina havia destruído as bases da própria essência mística de Gaïa, acarretando com que as entidades mágicas fossem incapazes de seguir vivendo. Muitas das criaturas mais antigas e poderosas, como os dragões e os titãs, se viram obrigadas a se retirar, enquanto que outras raças como os Sylvain e os Daimah sentiam que lhes faltava algo tão vital quanto o ar.
O pouco que restava em Gaïa se encontrava no mais obscuro caos. Os Reinos Santos e a maior parte das nações não humanas não eram mais que uma vaga recordação, enquanto saqueadores, bestas e horrores sem nome arrasavam o que estavam em seu caminho. O ódio racial entre os diferentes povos havia alcançado cotas insondáveis, e as diferentes raças se matavam sem provocação alguma. Nesse mundo cinzento e desolado, os sobreviventes do holocausto se perguntaram se havia alguma razão para seguir vivendo.
Em um momento deste declive, Zhorne Giovanni, ainda a mando das forças restantes da Aliança, pediu o apoio ao imperador Taumiel UI Del Sylvanus para tratar de criar uma nova ordem. Desafortunadamente, este rechaçou sua oferta e se retirou com seus poucos exércitos para assegurar o que restou das nações élficas após o desaparecimento de Khalis, o principal continente dos Sylvain. Apesar de estar praticamente sozinho, Zhorne tentou trazer a paz nestes tempos de caos e morte com tudo o que estava ao alcance de suas mãos. Acabou com os saqueadores com dos quais cruzava, permitindo aqueles que se rendessem a se unirem a sua cruzada. Assim, um incontável número de desamparados lhe seguiu, vendo nele a única luz dessa era de trevas.
Quando meses depois chegou as ruínas de Arkângel, ordenou a reconstrução da cidade enquanto partia novamente para tratar de levar a ordem para as outras terras. A cada território que incorporava lhe dava o título de Abel, e sem se dar conta, criou as raízes do que seria o império mais importante da terra. Durante os primeiros anos, Zhorne tratou de manter uma mentalidade aberta e permissiva quanto o sobrenatural, tentando estreitar o eco entre as etnias não humanas e os feiticeiros dentro de Abel. Por desgraça, o ódio interracial e o temor a magia demonstraram estarem demasiadamente enraizados, e centenas de conflitos eclodiram tornando a convivência muito complicada.
A situação se tornou insustentável quando um grupo de bruxos, que se haviam proclamado herdeiros de Yehudah, atacaram a borda meridional de Abel, enquanto vários Devas que viviam nas terras interiores iniciaram um assalto em grande escala contra Arkângel. Ambos conflitos se saudaram não só com centenas de vítimas, mas com a confirmação da mais temida suspeita de Zhorne: a coexistência era completamente impossível.
A partir deste momento, expulsou de suas terras todas as entidades sobrenaturais que encontrou, as obrigando a se retirarem sob a ameaça de serem completamente exterminadas. Pouco a pouco, os seres místicos começaram a desaparecer, se ocultando aos olhos dos mortais ou se mesclando em segredo entre nós. Desde então, o homem começaria a esquecer progressivamente o sobrenatural, considerando a magia e o inexplicável como uma sombra do passado.
E dez anos depois do final da guerra, Zhorne regressou a Arkângel, aonde tomou a que seria sua decisão mais importante. Em 16 de setembro de 233 depois de Cristo, o mesmo dia do qual firmou matrimônio com a bela Lucia Avalbane, a mulher que amou desde a infância, Zhorne Giovanni fundou o Sacro Santo Império de Abel.
O Sacro Santo Império de Abel
O Sacro Santo Império de Abel nasceu com o objetivo de unificar Gaïa sob uma só bandeira. Zhorne se proclamou líder espiritual e imperial, reunindo em sua pessoa todo o poder castrense e eclesiástico. Os territórios anexados ao Império se converteram em principados, países dependentes da Sacro Santa Coroa que atuavam como regiões supeditadas a esta. Em seguida, Zhorne deu o título de Senhores da Guerra a seus quatro generais mais importantes, lhes concedendo o controle dos exércitos de Abel, e reconstruiu a Igreja cristã em todo seu esplendor.
Mas nem sequer então o jovem Imperador encontrou descanso. Pronto, voltou a iniciar suas viagens, fazendo com que centenas de territórios se unissem por vontade própria ao Império. Por essa época, sua fama se havia estendida por todas as partes, e todos os confins do mundo sabiam que trazia consigo estabilidade, ordem e justiça. Mesmo assim, as coisas nem sempre marcharam de um modo pacífico. Primeiro teve que confrontar a ameaça que supunha Nazhael, um dos antigos marechais de Rah, que havia tomado parte dos territórios da Costa do Comércio, e em continuação se opôs as duas restantes potências que haviam ressurgido nessa época de caos, as Terras de Al-Enneth e o Império de Lannet. Durante anos, viajou de um lugar a outro de Gaïa, perseguindo a qualquer preço o fim que havia proposto quando criou Abel. Uma vez unificado todo o Velho Continente sob a bandeira do Império, Zhorne olhou as terras mais longínquas, tomando primeiro a ilha de Varja e posteriormente o Novo Continente. Foi uma época de mudanças, das quais se fundaram a maioria dos países e nações que existem na atualidade.
Foi também durante este período quando o imperador estalou duas das organizações mais importantes: A Inquisição, criada com a finalidade de acabar com os perigos sobrenaturais que se ocultavam entre os homens, e os cavaleiros de Tol Rauko, cuja missão era proteger e conservar os conhecimentos de eras passadas.
Finalmente, após décadas de contínuas lutas, Zhorne pôde regressar junto a sua amada Imperatriz e descansar a seu lado. Tal como desejava, ainda que suas mãos se haviam tingido de sangue, o legado que deixaria aos filhos de Gaïa seria um mundo muito diferente dos tempos obscuros que ele teve de viver até então. E foi assim como, no ano 355 de nossa era, ao cumprir cento e quarenta e nove anos, Zhorne Giovanni faleceu como sempre havia querido; placidamente, em sua cama.
Os Sete Séculos
Após sua morte, o único filho de Zhorne, Lázaro Giovanni, herdou a Coroa de Abel e a pesada responsabilidade que isso representava. Mesmo assim, possuidor do mesmo talento de seu pai e instruído por este desde menino, Lázaro demonstrou ser mais digno deste legado. O primeiro grande feito que teve que enfrentar foi a declaração de independência que Lannet e Shivat proclamaram com o motivo da morte do anterior Imperador. Com inteligentes e habilidosas decisões, Lázaro não só manteve conexionado o Sacro Império detendo a insurreição de Varja com um mínimo derramamento de sangue, como conseguiu criar uma verdadeira unidade entre os diferentes principados ao constituir o órgão do Alto Senado, do qual participavam os líderes de todos os países. Deste modo, se iniciou o longo período conhecido como os Sete Séculos, durante o qual o Sacro Santo Império, encabeçado pela estirpe dos Giovanni, governou com poder absoluto sobre toda Gaïa.
É certo que neste tempo houve problemas de grande importância, como o ataque do clã Thurizung de Haufman, que acabou provocando numerosas mortes e certo descontrole nas terras do norte, ou duas novas insurreições armadas por parte de Lannet e Shivat. Mesmo assim, a ação dos imperadores sempre foi formidável, demonstrando em todo momento um completo domínio sobre seu poder e uma capacidade nata para saírem vitoriosos de qualquer situação, por mais complicada que fosse. Mesmo quando a princípios do século sexto um violentíssimo terremoto assolou o Velho Continente, produzindo centenas de milhares de vítimas e provocando enormes perdas econômicas, o Império conseguiu contornar o problema, criando divisões de auxílio e investindo grandes quantidades de dinheiro na reconstrução de todos os territórios afetados.
Sem dúvida, uma das decisões mais acertadas por partes dos imperadores de Abel foi a de instaurar as guerras arbitradas, por meio das quais se resolviam os conflitos entre os diversos países e principados, seguindo uma série de regras supervisionadas pelos Árbitros Imperiais. Deste modo, foi possível resolver guerras como se fossem completas partidas de xadrez, evitando danos as populações ou derramamentos de sangue desnecessários.
Como reflexo desta prosperidade, ao longo dos Sete Séculos se realizaram grandes progressos a nível econômico e cultural, e se introduziram em Gaïa inumeráveis avanços como dos quais ninguém poderia ter imaginado anos atrás.
Pela primeira vez em nossa história, o homem avançava a passos largos um brilhante futuro.

O Fim de uma Dinastia
Às vezes, se pergunta se é certo que algumas poucas, ou mesmo uma só pessoa, ter a seu alcance a possibilidade de mudar o mundo. Em demasiadas ocasiões a história respondeu sempre afirmativamente a esta questão, ainda que por desgraça, nem sempre para o bem; pois um só homem destruiu com suas mãos os mesmos ideais do Império.
Mesmo antes de se converter em Imperador, Lascar Giovanni, o último membro da estirpe imperial, havia demonstrado uma conduta muito diferente a de seus antecessores. Já desde menino era caprichoso, arrogante e malicioso; não reparava em nada para obter o que queria, e apesar de ter o mesmo talento que vinha caracterizando sua família durante gerações, não parecia usá-lo sem que fosse em seu próprio benefício. Muitos, incluindo seu pai, pensaram que mudaria uma vez que o peso da Coroa imperial recaísse sobre sua cabeça; não poderiam estar mais equivocados.
Quando Lascar ascendeu ao trono, demonstrou que seu comportamento de até então não era mais que uma sombra do que lhe esperava Abel. Uma vez ataviado com os poderes absolutos do Sacro Santo Imperador, trouxe consigo uma época de depravação e crueldade como nunca se havia visto antes no Império. Tomava as mulheres que desejava, ordenava execuções sem motivo, e quando estava aborrecido, inclusive provocava guerras por pura diversão. Até chegou a assassinar sua própria esposa (ainda que publicamente fosse declarado suicídio), a anterior princesa de Lucrecio, tratando de evitar que desse a luz seu primogênito Lucanor.
Suas ações chegaram a alcançar tal grau de imoralidade e depravação que até mesmo os Senhores da Guerra lhe pediram que se contivesse e cedesse a coroa a seu filho, apenas um menino. Diante sua negativa, o idealista Senhor da Guerra Elias Barbados, encarregado de velar pela segurança do coração do Sacro Santo Império, fez necessário retirar Lascar do poder a qualquer preço. Se reuniu em segredo com seus companheiros, assim como com o Sumo Arcebispo Augustus e o marechal de Tol Rauko, e todos aceitaram levar para frente um atrevido plano. Reunindo seus melhores soldados de elite em Arkângel com a escusa de alguns jogos de guerra, e aproveitando que a maior parte das forças da Ordem do Céu, o exército pessoal do Imperador, não estavam presentes, Elias se preparou para assaltar o castelo imperial e obrigar a Lascar a abdicar a favor de seu filho. Deste modo, tudo seria muito rápido e haveria um mínimo número de baixas.
Tal como haviam planejado, na noite de 11 de março do ano 957, as forças do Senhor da Guerra atacaram o Castelo de Ângel. Os cavaleiros da Ordem do Céu demonstraram sua valia e, apesar da grande superioridade de seus adversários, conseguiram conter o ataque por durante várias horas. Assim, Lascar supôs desde o princípio que resistir seria completamente inútil, assim esperou tranquilamente no salão do trono com um sádico sorriso. Minutos antes de que Elias chegasse até ele, ordenou que chamassem seu filho e diante todos, obrigou o pequeno a mata-lo. No mesmo instante da qual a primeira gota de seu sangue tocou o solo, o destino do pequeno futuro imperador ficou condenado, pois havia cometido um pecado contra o Império.
Esse seria o obscuro legado que Lascar deixou ao mundo inteiro: o fim de sua dinastia e o desequilíbrio de Gaïa.
O Último Imperador
A morte de Lascar nas mãos de Lucanor Giovanni havia destroçado por completo os planos de Elias, já que o menino já não podia aspirar ao trono. Sem outro sucessor, o destino do Império caiu em desgraça, já que neste momento a própria concepção de Abel se sustentava na imagem quase divina da estirpe Giovanni. O problema era muito grave, e para soluciona-lo, os maiores poderes de Gaïa se dividiram em dois bandos: uns apoiavam que Lucanor ascendesse o trono apesar de seu crime e outros preferiam que uma nova dinastia ascendesse ao poder. Ironicamente, a resposta ao problema se deu ao próprio Lucanor quando declarou abertamente que, dadas as circunstâncias, ele não devia ascender ao trono. Assim foi como Elias Barbados, o descendente mais direto ao título, seria proclamado Sacro Santo Imperador graças ao apoio dos outros Senhores da Guerra e a Igreja. Incapaz de culpar o filho de Lascar pelo acontecido, a primeira decisão do novo senhor de Abel foi enviar o menino até Lucrecio e lhe conceder o título de príncipe, que lhe pertencia por descendência de sua mãe.
Naturalmente, a ascensão de Elias ao trono causou enormes desavenças em todo o mundo. Muitos principados que sempre tinham pretensões de independência aproveitaram o momento para tratar de influenciar na política imperial, e mesmo chegaram a sugerir a possibilidade de modificar suas bases para criar algo parecido com a primeira República de Abel.
O clima de crispação foi pouco a pouco aumentando e houveram aqueles que temiam que Elias fosse incapaz de suportar a tensão. Mas, contra todo o prognóstico, o anterior Senhor da Guerra demonstrou uma perspicácia tão grande na política quanto no campo de batalha. Apoiado pelo inteligente Arcebispo Augustus, um dos dirigentes mais liberais que a Igreja teve em toda sua história, começou a manter a unidade imperial com atrevidas reformas e um afinado engenho. Em comparação com o antigo regime de terror de Lascar, a mudança em Abel foi acolhida com agrado e otimismo mesmo pelos setores mais radicais, assim durante três décadas o Império desfrutou de uma época de prosperidade.
Infelizmente para Elias, todos seus êxitos na vida política não se refletiram na vida pessoal, que estava fadada a contínuas desgraças. A maior e mais terrível de todas foi a morte de sua esposa ao trazer ao mundo sua filha Elisabetta Barbados. Desgarrado pela dor da perda, o Imperador culpou o sucedido a pequena e lhe afastou de seu lado, a deixando sob os cuidados dos cavaleiros da Ordem do Céu.
O Princípio do Fim
Com a morte de seu amigo e mentor, o Sumo Arcebispo Augustus, Elias se encontrou na difícil situação de ter que escolher um novo líder espiritual para a Igreja. A decisão demonstrou ser muito mais complicada do que se esperava no princípio, pois não só parecia impossível encontrar uma pessoa apropriada entre os aspirantes, quanto que a rivalidade pelo posto era desmedida e provocava grandes conflitos entre os principados. Apesar do tempo que se sentou no trono, Elias devia ter muito cuidado, pois um mal arbítrio poderia causar um desequilíbrio no poder de Gaïa.
Após entrevistar dezenas de aspirantes, durante uma das audiências o senhor de Abel cruzou com uma jovem abadessa que mudaria sua vida. Seu nome era Eljared, que com apenas vinte e seis anos, havia alcançado o mais alto grau que uma mulher era capaz de chegar dentro da estrutura da Igreja. Tudo o que a envolvia era um mistério, mas possuía uma beleza sobrenatural e um desmedido talento que cativou Elias desde seu primeiro encontro. Sem poder deixar de pensar nela nem um instante sequer, começou a se encontrar com ela assiduamente e a passar a maior parte de seu tempo ao seu lado. Após vários meses, para a surpresa do mundo inteiro, anunciou publicamente que Eljared seria a nova Suma Arcebiscopisa, um título que até então jamais havia sido dado a uma mulher. Assim, foram muitos os principados que não estiveram de todo conformes com a nomeação, mas não puderam contrariar os desígnios do trono de Abel sem um motivo maior.
Uma vez a cabeça da Igreja, Eljared começou a acumular um incrível poder pessoal, maior do qual nenhum Sumo Arcebispo havia possuído jamais. O Imperador, cego por seus sentimentos por ela, lhe cedeu todas as prerrogativas imperiais, o que na prática a converteu na verdadeira senhora de Abel. Uma vez em possessão de um poder absoluto, começou a atuar impunemente ao longo e largo de Gaïa, tomando estranhas decisões que poucos compreenderam. Pôs a mando das principais organizações do Império vários de seus agentes de confiança, enquanto ordenava desenterrar perigosos segredos do passado. Com meticuloso cuidado, como uma minuciosa jogadora de xadrez colocaria suas peças no tabuleiro, Eljared se preparou para iniciar a maior partida jamais jogada.
Consecutivamente, o mundo que uma vez conhecíamos mudaria diante nossos dois olhos, mas novamente, não seríamos capazes de nos darmos conta.

A Ruptura dos Céus
O comportamento de Eljared passou um tempo demasiadamente despercebido para os principados próximos ao Império. Assim, muitos governantes começaram a protestar publicamente por seus atos, advertindo que suas decisões e comportamento não eram próprios de sua posição. Porém, a Suma Arcebiscopisa ignorou tais advertências, e até começou a atuar de um modo mais radical sem motivo aparente. Era como se, no fundo, desejasse empurrar o mundo em uma rebelião. A situação chegou a um ponto crítico quando Maximillian Hess, senhor de Remo, a acusou abertamente de bruxaria e de ter subjugado o Imperador. Investigando por sua conta, o príncipe Hess havia chegado a averiguar que a abadessa chamada Eljared nunca existiu, e que todo seu passado não era mais que uma mentira convenientemente confeccionada. Ainda me pergunto se não foi ela mesma quem filtrou deliberadamente essa informação.
Como resposta a essa proclamação, a Suma Arcebiscopisa ordenou que arrasassem por completo Remo e reduzissem as cinzas tudo o que ali se encontrasse. O Senhor da Guerra Tadeus Van Horsman, amigo pessoal de Elias, se negou dar prosseguimento a semelhante ordem e pediu a seu senhor que se reparasse, mas Eljared se limitou a substitui-lo por alguém que levasse a cabo seus desígnios. Só uma semana depois, o orgulhoso principado havia sido destruído, e o corpo sem vida de Hess jazia como troféu em meio das ruinas de sua capital. A comoção geral foi enorme; muitos países trataram de cortar seus laços com Abel, o que provocou que a Suma Arcebiscopisa declarasse guerra contra todos os insubordinados. Um conflito de enormes proporções ameaçava engolir Gaïa pela primeira vez em sete séculos.
E enquanto provocava o caso em todos os confins do mundo, Eljared se dispôs de pôr em marcha seu verdadeiro plano.
O que queria realmente? Pode ser que nunca cheguemos a saber de todo. A sua maneira, carregava um pesado legado sobre suas costas, um que lhe empurrava a seguir adiante sem lhe importar as consequências. Assim como Rah no passado, a sua maneira desejava mudar o mundo.
Nas vésperas do fim de ano, em meio a uma festividade teve uma tragédia, se desencadearia a fatídica noite conhecida como a Ruptura dos Céus. Desde todos os lugares do globo, os agentes da Suma Arcebiscopisa ativaram uma complexa estrutura sobrenatural, que criou uma alteração na existência que tinha como centro a própria cidade de Arkângel. A terra estremeceu, os oceanos se obscureceram e os céus de Gaïa se tornaram rubros como o sangue.
As sucessões que causarão no futuro ainda são incertos. Oficialmente, forças comandadas pelo Senhor da Guerra Tadeus Van Horsman atacaram essa noite o Castelo de Ângel, tratando de deter a loucura do Imperador. No entanto, informes recentes afirmam que Tadeus não foi liberado até a manhã seguinte, fazendo incertas as anteriores versões.
De um modo ou de outro, o certo é que enquanto seus exércitos se alçavam por toda a cidade, um descomunal conflito se desencadeou no interior do palácio imperial, devastando grande parte de suas estruturas. No ponto alto do ataque, a filha do Imperador se acercou de seu pai para lhe rogar que detivesse essa loucura, mas este, completamente transtornado, seguiu para mata-la, a acusando de ser o estopim da triste situação pela qual passava o Império. Vendo em perigo a menina que o mesmo havia protegido durante anos, Kisidan, um dos mais altos cavaleiros da Ordem do Céu, se viu obrigado a acabar com a vida de Elias. Só minutos depois, Eljared desapareceu para sempre, após aparecer pela última vez sobre a torre do grande anjo guardião da cidade, com os braços extendidos ao céu. Suas últimas palavras ressonaram por toda a cidade.
— É o homem só uma falha de Deus, ou Deus apenas uma falha do homem? Vós, que como crianças pequenas têm vagado nas trevas de vossa própria história, abram os olhos. Está a ponto de começar. Presenciem como damos este passo adiante. No final, negar a Deus será a única forma de salvar o mundo. — Eljared
Para o bem ou para o mal, em menos de uma hora tudo havia acabado.
A morte do Sacro Santo Imperador produziu graves consequências para o Império. Prevendo a terrível situação de instabilidade que se cernia sobre Gaïa, a jovem Elisabetta reclamou seu direito ao trono e começou a trabalhar duramente para mante-lo estável. Infelizmente, muitos dos principados que se haviam declarado independentes de Abel meses atrás se negaram a aceita-la como governante, enquanto que o antigo Senhor da Guerra Matthew Gaul e alguns países formaram a Aliança Azur, uma força de oposição que pretende algum dia se converter na semente de um novo império. Sem saber por quem tomar partido, a Igreja permaneceu de momento como uma facção neutra, proclamando por sua conta um novo Sumo Arcebispo sem a concepção da Imperatriz.
E Agora...
Agora estamos em meados do ano 989. Passaram se seis meses desde a morte de Elias e a tensão entre Império, Aliança Azur e Igreja não faz mais que aumentar. Com Abel fragmentado, a jovem Imperatriz se esforça para manter o controle de seus restantes territórios para evitar que o mundo inteiro seja engolido pelas chamas da guerra, enquanto outros países se preparam para conflitos iminentes. Devido a influência de Eljared, a realidade sofreu uma grave alteração e as forças sobrenaturais são cada vez mais intensas, enquanto a membrana que separa o mundo real da Vigília é cada vez mais tênue. E nesta época de mudanças, as forças que permanecem ocultas a nossos olhos, decidiram voltar a intervir.
O obscuro legado que foi deixado ao homem está a ponto de dar frutos. Nada acabou. No fundo, esta história está prestes a começar.
E assim como presenciei seu início...
Estarei aqui para ver seu fim.
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